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Ilustração do Homunculu criado por Nicolas Hartsoeker |
A Epigênese e a pré-formação são duas maneiras de descrever o desenvolvimento individual de um organismo. Erroneamente as pessoas acreditam que as perguntas elementais da humanidade foram exclusivas da religião. Saber de onde viemos, para onde vamos não é monopólio, domínio exclusivo da religião. Filósofos, cientistas, artistas de alguma forma acabam contribuindo em responder com tamanha grandeza de idéias esses enigmas.
No caso da concepção da vida, qual é a sua origem? Será que tudo começa da materia desforme e a forma emerge apenas gradualmente ao longo do tempo? Ou será que já há formação pré-programada, em que o indivíduo apenas ganha tamanho antes de nascer?
A questão central da existência destas duas concorrentes filosóficas é compreender se somos formados, organizados a partir de um início ou se a organização surgem ao longo do tempo.
Em um contexto histórico podemos acompanhar a evolução desses pensamentos.
Aristóteles foi um importante filósofo, mas também interessado diretamente na natureza da vida, um excelente observador da vida marinha dentre tantas outras.
Em uma de suas observações inclusive em embriões de galinhas obteve importantes reflexões a respeito da biologia do desenvolvimento.
Olhando para pintinho e recorrendo a suas interpretações desenvolvidas durante toda sua vida como filosofo e de certa forma na ciência, ele viu um material final e as causas do desenvolvimento de organismos individuais.
O ovo precoce não foi formado. Não era um pintinho formado, mas gradualmente adquiriu forma. Gradualmente adquiriu um coração que começou a bater, e posteriormente outras partes que o tornam um pintinho.
Assim, Aristóteles encaixou essa observação em algumas de suas teóricas do mundo.
Com espécies que se reproduzem sexualmente os organismos a se desenvolver quando os fluidos da mãe e do pai se juntam.
Esta combinação é a causa essencial que inicia o processo de desenvolvimento gradual da vida. Gradualmente, ao longo do tempo, o individuo começa a ganhar forma e surgir.
Assim, para Aristóteles a contribuição materna é a causa material, e sua contribuição para a formação do embrião vinha do sangue menstrual, que ao juntar-se com o sêmen do pai formava a vida. Segundo sua conclusão o sangue menstrual feminino é apenas “o qual gera a vida” e deve ser posta em prática pelo sêmen masculino que é “aquilo que gera a vida.”
Juntos, de acordo com a natureza essencial das espécies, poderiam ter o potencial de tornar um ser real. Os pais, o sexo masculino e feminino servem como “princípios geradores” e cada organismo individualmente começa de novo.
Para Aristóteles, as causas são internas devido a combinação de fluidos.
Seguindo suas próprias propostas filosóficas Aristóteles acreditava que uma vida individual orgânica requer uma alma, que deve estar lá desde o início e que reside no interior do corpo material.
Esta alma orienta o processo gradual de desenvolvimento epigênenico dos organismos. Esta alma é a alma aristotélica e não a alma cristã.
A concepção de alma na tradição cristã bem como outras passagens foram cooptadas de Aristóteles. A idéia de que Deus sempre existiu e não tem origem nem fim é uma criação baseada em princípios filosóficos de Aristóteles.
No Ocidente, quando surgiram as primeiras universidades que diga-se de passagem eram totalmente direcionada aos mais abastados e sujeitas ao regime cristão, ocorre a fusão de elementos da cultural greco-romana, cristãos e germânicos. As obras de Aristóteles são traduzidas para o latim e passam a preencher a filosofia cristã. Sob a influência da Igreja, as especulações se concentram em questões filosófico-teológicas na busca incessante de conciliar fé e razão. E é neste contexto que Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino trazem à luz reflexões fundamentais do pensamento cristão.
A alma para Aristóteles chamada no grego de psyche e no latim de anima mundi é representada pelo sopro da vida. Para Aristóteles existia uma sequencia tripla de almas e são conhecidas como alma nutritiva que é atribuída as plantas , a alma sensitiva atribuída aos animais é uma terceira alma denominada “racional” que em conjunto com as outras duas é atribuída aos homens, essas subdividida em três níveis
O nível vegetativo , que é inteiramente responsável pelo controle mecânico e a química metabólica do corpo. O segundo nível restrito ao nível metabólico e da força vital assim como a alma animal caracterizada pelo movimento autônomo. E o terceiro nível que é o da alma humana, que inclui as almas animais vegetais e caracteriza-se pelo uso da razão.
Esta alma reside na combinação de sêmen masculino e feminino. Os vivos diferem dos mortos por causa das ações de sua alma. Portanto, é a unidade teleológica que tem potencial para dar forma é função gradualmente e internamente a um indivíduo.
Não só Aristóteles estudou embriões. Ao longo de toda a história antiga da ciência pesquisou-se de diversos mecanismos que pudessem auxiliar na descoberta de onde viemos e para onde vamos.
Leonardo da Vinci estudou embriões de vacas, ovelhas e já em sua época demonstrou que todas as características são herdadas igualmente pelos pais, sem pestanejar dizia “a semente da mãe tem poder igual a semente do pai no embrião”. De fato muitos desses antigos pensadores tinham idéias que somente na atualidade foram realmente evidenciadas. O próprio da Vinci tinha uma concepção evolucionista “Natura non può dare moto alli animali sanza strumenti machinali”
Ao longo do tempo o debate sobra questão da origem da vida, o momento em que ela passa a existir e continuaram e permanecem até hoje. Quando ocorre a concepção? A vida já esta presente nas células germinativas? Ela fusão dos gametas após o ato sexual? Após a diferenciação celular no décimo quarto dia após o sexo? Quando o sistema nervoso começa a se formar? Quando o indivíduo tem consciência de que ele é um ser vivo? Afina de contas, em que momento a vida começa?
Uma nova concepção de busca sobre quando ocorre a concepção da vida começou a questionar já no século 17/18.
A principal objeção era de que a matéria em movimento por si só não parece ter a capacidade de produzir esses resultados.
Como poderia a matéria se formar quando não havia matéria?
Segundo Aristóteles a matéria e a forma andam juntas, não há forma sem matéria e não há matéria sem forma.
Como poderia a forma emergir e adquirir a capacidade de funcionar sem alguma força vital?
Esse foi o problema para os materialistas durante muito tempo. Essas questões de pesado cunho epistemológico e metafísico não podiam ver na epigenética o surgimento gradual da vida.
Uma representação popular alternativa surgiu sendo denominada de pré-formationismo, e recorria a explicação a teoria do Homunculu.
Em 1677 Leeuwenhoek e Luiz Hamm viram pela primeira vez um espermatozóide e supuseram que ele tinha uma miniatura de humano dentro (homúnculo) que se desenvolvia quando depositado nos órgãos sexuais femininos. O espermatozóide seria a semente e o óvulo o terreno de plantação. Leeuwenhoek e Hamm provavelmente visualizaram organelas do espermatozóide como se o cromossomo fosse a cabeça e o corpo o núcleo e inferiram tal proposta.
Nicolaas von Hartsoeker deu-nos a imagem em 1694 de um homem minúsculo no esperma, que se tornou o ponto de partida para espermistas. Nem todos pré-formacionistas tomaram concordavam com tal proposta, mas não havia proposta alternativa para competir com a epigênese aristotélica então permaneceu tal proposta.
Ainda no século 18 muitos debates sobre a concepção da vida entre a pré-formação mecanicista materialista e a epigênese ocorreram. Alguns chegaram a afirmar que que para ser um bom cristão deveriamos ser pré-formacionista.
Na obra de Caspar Friedrich Wolff e Charles Bonnet ambos estudaram o desenvolvimento do pintinho embora tivessem concepções diferentes.
Nicolas Hartsoeker |
Olharam para a mesma coisa e concordaram sobre o que viram, mas suas conclusões eram bem diferentes.
Wolff era um defensor da epigênese e sustentava que a forma surge apenas gradualmente e Bonnet era um pré-formationista que insistia que a forma existe a partir do início de cada organismo e apenas crescia ao longo do tempo.
Em 1859, Charles Robert Darwin estudou embriões e encontrou evidencias claras do compartilhamento de relações históricas entre os seres vivos.
Seguindo o bojo de tal descoberta Ernst Haeckel popularizou o estudo com embriões. Histologistas e embriologistas especialmente na Alemanha e nos Estados Unidos melhoraram rapidamente as técnicas de microscopia para fazer tais observações.
Estas observações, no contexto evolutivo levantaram novas dúvidas e provocou novas respostas. O entendimento da epigênese e pré-formação sofreu grandes transformações e trouxeram novas questões.
Darwin apontou para a embriologia como fundamental para interpretar as relações históricas. No Capítulo 13 da Origem ele cita “Como, então, podemos explicar estes fatores diversos em embriologia, nomeadamente gerais, mas não universais. Há diferença de estruturas entre o embrião e o adulto, de peças no embrião e mesmo nos indivíduo, o que acaba por tornar-se muito diferente e servir para fins diversos, sendo no início deste período de crescimento semelhantes… embriões de espécies diferentes dentro da mesma classe, em geral, mas não universalmente, assemelhando-se uns aos outros”
Haeckel viu erroneamente supôs que a ontogenia era uma recapitulação breve e rápida da filogenia. Apresentou o desenvolvimento de cada indivíduo como seguindo a seqüência da história evolutiva das espécies daquele organismo do indivíduo. Houve momentos em que o embrião humano teve calda e brotos que nos peixes dão origem as brânquias e assim por diante.
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Trabalho de Haeckel ao estudar embriões. |
Trabalho de Haeckel ao estudar embriões.
Em seus livros muito populares que foram amplamente lidos, Haeckel ofereceu imagens de embriologia comparada. Obviamente que as semelhanças embriológicas ocorrem devido ao relacionamento histórico existente entre as espécies, mas não é uma justificativa para o determinismo biológico como foi utilizada.
Langdon Down foi a primeira pessoa a descrever a Síndrome de Down em 1886 e a única explicação plausível nesta época era a ontogenia recapitulando a filogenia. Muitas dessas idéias foram aplicadas erroneamente para justifica prejulgamentos raciais e morais. Dentre os principais estão Paul Broca, Samuel Morton, Alfred Binet, Cesare Lombroso e até o criacionista Louis Agassiz afirmando “Os negros devem ser treinados para o trabalho manual, e os brancos para o trabalho intelectual”.
Darwin não foi um embriologista, e ele não contribuiu para a nossa compreensão da embriogênese. Nem mesmo Haeckel o fez. Darwin usou embriões para apoiar sua teoria da evolução e ajudar a interpretar as relações evolutivas entre as diferentes formas de vida, e seu uso foi consistente com várias versões de qualquer desenvolvimento epigênico, ou pré-formationista.
A CONCORRÊNCIA DAS TEORIAS - UMA RESENHA DE LUANA LIMA
Epigênese e Pré-Formacão eram duas linhas de pensamento completamente contrárias e as duas teorias denotam que a procura de respostas para perguntas como, por exemplo, de onde viemos não foi feita exclusivamente por representantes religiosos. No entanto, quando se faz perguntas dessa categoria, tanto a epigênese quanto a pré-formação não devem ser implicadas visto que para sondar a origem da vida faz-se necessário um retrocesso muito grande no tempo geológico, ou seja, um salto enorme de aproximadamente 3 bilhões de anos atrás quando surgiram as cianofíceas e não simplesmente elevar o homem á um pedestal que não é seu por direito, afinal de contas quantos organismos já existiram e ainda existem na linha do tempo geológico muito antes do Homo sapiens ? Quando cita - se as teorias concorrentes de explicação para o desenvolvimento de um organismo, mais precisamente um animal, a abordagem deve ser mais estrita e a pergunta a ser feita não é de onde viemos e sim o que determina a diferenciação de um zigoto num adulto multifacetado.
Epigênese e Pré-Formação contribuíram para, mais tarde, o entendimento das estruturas e da fisiologia do desenvolvimento. Todavia, para que isso acontecesse muitas afirmações foram errôneas.
Muito antes de Cristo já haviam idéias relacionadas á epigênese com a contribuição de Aristóteles. No entanto, verifica-se em suas contribuições uma parcela bastante questionável, ou seja, a concepção de desenvolvimento humano totalmente enviesada, considerando-se que, em sua razão, Aristóteles conjeturava que o ovócito era simplesmente a base material para o surgimento da vida enquanto que o espermatozóide era quem a colocava em prática. Talvez essa percepção tenha sido fundamentada, mesmo que inconscientemente, na conduta da época, afinal de contas por muito tempo a mulher era vista como a empregada do seu homem e o “saco” de carregar bebês e a transformação desse papel recluso só teve início no século XIX, ou seja, muito tempo depois. Enviesamentos á parte, deve-se concordar que, em grande escala, Aristóteles estava certo quando afirmou que era necessária a junção dos “fluidos” femininos e masculinos para a geração da vida. Nota-se também uma contribuição implícita quando o assunto é a diferenciação de mortos e vivos, pois partindo - se do princípio que plantas têm a capacidade de nutrição, animais têm a capacidade de nutrição e sensibilidade e homens têm a capacidade de nutrição, sensibilidade e raciocínio e que tais almas efetuam as ações para manutenção da vida pode-se fazer uma analogia, pois o que Aristóteles chamou de “alma” no cotidiano podemos chamar de metabolismo.
Para a época a explicação de Aristóteles seria plausível Aristóteles não fosse à pergunta que não quer calar: Como haveria diferenciação da matéria numa forma definida se não havia algo que a induzisse? Sendo assim, o surgimento gradual da vida passa a ser explicado por uma “força vital”. No entanto a justificativa metafísica não era suficiente para a outra parcela de estudiosos, pois, mais uma vez, invocava-se o sobrenatural para explicar algo que era físico. O surgimento do pré - formacionismo foi à alternativa da época, porém, a mesma era falha em muitos aspectos. A sugestão de um homúnculo dentro da célula germinativa, seja ela o ovócito ou o espermatozóide, é inconcebível considerando-se o tamanho de uma célula, no entanto faz-se vista grossa a esta questão, pois a tecnologia microscópica era bastante limitada. O pré - formacionismo não poderia explicar as variações fenotípicas tendo em vista que todos os indivíduos deveriam ser totalmente iguais ao seu pai ou sua mãe e também não poderia explicar as deficiências e deformações de um indivíduo levando-se em conta que o pai ou a mãe era perfeito.
O entendimento das duas teorias, dentro das limitações que cada uma, proporcionou o surgimento de novas teorias relacionadas ao desenvolvimento como, por exemplo, a teoria da recapitulação de Ernest Haeckel. Contudo, mais uma vez, verificam-se falhas nessa nova corrente de pensamento. A asserção de que a ontogenia recapitula a filogenia é, nada mais, que uma generalização. Supondo-se que a recapitulação acontecia totalmente qual seria o determinante para a adição de um novo estágio ao final do último? Esta pergunta faz com que se volte ás explicações metafísicas da epigênese uma vez que, logicamente, não se pode invocar o pré – formacionismo para respondê-la. Neste contexto, encaixa-se melhor a teoria do médico naturalista Karl Ernest Von Baer que estudou as diferenças embriológicas entre espécies e conseguiu estabelecer uma relação entre alguns. A sua afirmação de que a recapitulação ocorre de maneira moderada coincide com o conhecimento atual que se tem de história evolutiva dos taxa.
Pode-se concluir que a história da epigênese e a pré-formação têm um desfecho similar à história do fisicalismo e do vitalismo na época da revolução científica. O fisicalismo e o vitalismo foram derrotados e ao mesmo tempo renascidos no surgimento do organicismo, a teoria que uniu as duas correntes de pensamento e prosperou. A epigênese e a pré – formação convergiram não numa teoria, mas no entendimento de que após a fecundação e a integração do DNA do espermatozóide ao DNA do ovócito a massa que era uniforme passa a tomar forma diferenciada com a determinação do genoma representando-se, respectivamente, as teorias da epigênese e pré – formação.
REFERÊNCIAS
Stephen Jay Gould. A falsa medida do Homem. ED Martins Fontes, 2003.
Epigenesis and Preformationism. Standford Encyclopedia of Philosophy. First published Tue Oct 11, 2005.
Ernest Mayr. Isso é biologia. ED CIA das Letras. 2008
Stephen Jay Gould. Darwin e os Grandes Enigmas da Vida. ED Martins Fontes, 2006.
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Acho que você deveria tentar organizar melhor, o texto é muito bom
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