O CASO JOHN SCOPES - A LEI E O PRÓPRIO CRIACIONISMO SE EXPONDO COMO UMA NÃO-CIÊNCIA


por Victor Rosseti
Existem diversas formas de se construir conhecimento no mundo (AS LIMITAÇÕES DOS SISTEMAS DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO), cada uma com suas vantagens e seus defeitos. Assim como a religião, a filosofia a ciência e o senso comum tem seus contrapontos.
Muitas vezes vemos sistemas de construção de conhecimento interferindo na forma de atuação de outros. O caso mais evidente talvez seja o da ciência e religião, ou pelos criacionistas que incoerentemente tentam impor a idéia do designer inteligente como uma ciência em oposição a propostas científicas da física e da biologia recorrendo até as leis. O caso do criacionismo antes de tudo não é um problema religioso, mas sim político como veremos no presente texto, e seu fundamentalismo fere os limites de atuação da religião e sua atuação nas federações.
Os movimentos fundamentalistas religiosos não são novidades no mundo, e nem exclusivos das religiões abraamicas.
O caso John Scopes (1900 – 1970) é o clássico de onde podemos retirar um aprendizado grande sob a interferência de sistemas diferentes de produção de conhecimento na qual Stephen Jay Gould chama de Magistérios Não Interferentes (MNI) e como simples mitos podem se tornar fanatismo de pessoas sem a capacidade deste reconhecimento.

John Scopes

Em 1925 o carismático professor de matemática e física John Scopes substituiu um professor de biologia fundamentalista em uma escola na cidade do Tennessee nos EUA, gerando um dos casos mais controversos na história do país que se estendem até atualmente.
Isso ocorre porque William Jennings Bryan (1860 – 1925) proporcionou o maior e mais falho golpe criacionista no inicio dos anos 20 ao dedicar-se profundamente a impedir o ensino da biologia evolutiva nas escolas americanas. Ele recorreu a Lei do Tennessee que criminalizava o ensino da biologia evolutiva e o homem como descendente de uma ordem “inferior” de animais. Não entrarei no mérito da questão sobre superioridade e inferioridade na biologia evolutiva, embora sob o ponto de vista técnico e classificatório esses termos não existam ao se estudar a evolução das espécies. A superioriodade e inferioridade são interpretações no mínimo pejorativas.
A Lei foi aceita por diversos estados do Sul do país, Scopes sabia da Lei se dispôs a ser cobaia ao aplicar em sala de aula a matéria baseando-se no livro Civic Biology.
Scopes não foi perseguido por fundamentalistas criacionistas, da mesma forma que não chegou a entrar em uma cela, mas o principal discurso que Bryan adotou foi a alegação de que os seres humanos nem mesmo eram mamíferos.
Clarence Darrow (1857 - 1938 ) que era conhecido e respeitado nos EUA por ter defendido alguns adolescentes assassinos de Leopold and Loeb no seu julgamento pelo assassinato de Bobby Franks foi quem defendeu John T. Scopes no julgamento que ficou conhecido como “Monkey Trial“.

Clarence Darrow

Darrow se opunha claramente ao defensor fundamentalista cristão William Jennings Bryan. Darrown era conhecido por seguir claramente uma posição agnóstica que o marcou como um dos mais famosos advogados americanos e defensores dos direitos civis.
O juiz Raulston permitiu que Darrow pusesse Bryan no banco como testemunha da defesa. O julgamento antes de tudo teve um papel fundamental, o de tornar a cidade conhecida por todo os EUA, inclusive inaugurando a primeira transmissão ao vivo por rádio.
O juiz não tinha poder para determinar a constitucionalidade do estatuto e a União Americana de Liberdades Civis permitiu então uma condenação menos problemática. Bryan claramente dizia que desejava expulsar o ensino de evolução de sua cidade e o comparava com um ensinamento satanico.
O caso de John Scopes foi extremamente mal resolvido embora Scopes não tenha sido condenado pelo ensino da evolução. Scopes era culpado da acusação por ter ensinado evolução, mas não com a legitimidade da lei que era inconstitucional. O testemunho de especialistas tornava-se irrelevante para o julgamento e por isso nenhum biólogo evolucionista chegou a dar seu depoimento. Entretanto o juiz permitiu que Bryan testemunhasse como especialista e advogado de acusação.
Assim, como o caso ficou mal compreendido o juiz retirou todos os depoimentos dos registros.
Darrow em sua estratégia de defesa conseguiu fazer com que Bryan assumisse que a criação do mundo segundo a bíblia pode ter sido feito em dias cuja o tempo era diferente ao atual e demonstrando que a afirmação do livre-arbítrio de Bryan era baseada em suas crenças pessoais. De fato o criacionismo falha neste momento uma vez que a grande maioria das passagens bíblicas acabam sendo interpretadas segundo a interpretação pessoal de seus seguidores não seguindo em idéia clara e compartilhada entre os membros. Entre os próprios criacionistas existem muitas divergências, muitas delas evidenciadas aqui mesmo nos sites brasileiros onde há discussões entre diferentes idéias contraditórias (isso quando um criacionista permite fazer comentários em seu site, o que é bastante raro. A maioria não permite espaço para discussões o que reflete o caráter absolutista e intolerante da religião criacionista, mesmo quando há espaço para comentários eles são editados ou apagados porque vão contra o cerne da doutrina, excluindo assim qualquer possibilidade de discussão ou de reflexão).

William J. Bryan

Durante o julgamento de Scopes o advogado Bryan morreu. O julgamento Scopes pode ser considerado uma vitoria para a ciência, embora o caso tenha visto como insignificante devido a condenação do juiz que errou ao cobrar uma multa de cem dólares de Scopes.
Segundo a Lei do Tennessee exige-se que todas as multas acima de cinqüenta dólares devem ser fixadas por um júri. O problema é que nenhum habitante da cidade havia tomado uma multa acima de cinqüenta dólares e este argumento fui utilizado por Darrow para livrar a cara de Scopes.
Então a condencação de Scopes foi anulada devido a detalhes técnicos, isso porque a equipe de Darrow e do advogado Dudley Field Malone não conseguiu encontrar alguém no estado com competência o suficiente para desafiar o juiz e garantir o procedimento correto.
O grande golpe de Bryan foi testar a constitucionalidade da lei em relação ao ensino na cidade. Então a Lei do Tennessee limitou o conteúdo de cada livro de biologia de acordo com cada estado.
A primeira edição do principal livro didático do ensino fundamental em biologia, o Modern Biology de 1921 dos autores Moon, Mann e Otto, anterior ao caso Scopes tratava a evolução em diversos capítulos, e a tratava cientificamente como fato.
A partir de 1956 o livro tratava da evolução em apenas 18 das 662 paginas e jamais usava a palavra evolução, tornando-a idéia de Darwin uma mera hipótese de desenvolvimento racial.
Essa situação permaneceu até 1968 quando ocorreu o segundo caso jurídico envolvendo novamente o criacionismo e sua fajuta tentativa de fazer de Deus uma ciência.
Ocorreu no Arkansas quando a professora Susan Epperson contestou o ensino com base no estatuto, a Suprema Corte alegou a inconstitucionalidade da Lei e do caso com base na Primeira Emenda Americana.
Como os criacionistas não eram mais capazes de deter o ensino da evolução na escola após o caso Susan Epperson os criacionistas se propuseram como alternativa a evolução, cunhando a fajuta idéia do criacionismo como uma ciência.

Susan Epperson

Essa foi uma estratégia adotada por criacionistas com a finalidade de burlar a constitucionalidade da Lei americana. Uma alternativa teológica baseada em termos literais da bíblia, ou seja a revelação bíblica de Gênesis como evangelho literal.
O Filosofo Paulo Ghiraldelli discute em Religião e estupidez no Brasil como essa interpretação literal da bíblia de certa forma prejudica o ensino nas escolas. Essa interpretação literal incentivada por religiões leva ao empobrecimento intelectual das pessoas no processo de interpretação de textos. Um livro que claramente é simbólico quando passa a ser interpretado literalmente se descontextualiza, s desconecta da sua principal função. Trocando em miúdos, Ghiraldelli vê essa interpretação religiosa como uma forma de emburrecimento das pessoas. Imaginemos interpretarA metamorfose de Kafka literalmente; faz sentido acreditar que um ser humano no passado se transformou em uma barata? Ou será o livro uma mera metáfora ligada ao contexto social?
A alegação principal dada pelos criacionistas é que agora eles não eram a favor da exclusão do evolucionismo das escolas, mas recorriam a Lei de Tratamento Equivalente/Igualitário da Ciência da Criação e da Ciência da Evolução em Escola Públicas.
Essa estratégia criacionista auto-promocional a qual Stephen jay Gould classifica como “ridícula” foi acatada por dois estados na década de 70 o caso tomou maiores proporções.
O caso novamente tomou proporções jurídicas e foi chamado de caso Scopes II.
Desta vez foi presidido pelo juiz William R. Overton em dezembro de 1981. O juiz declarou a Lei de Tratamento Igualitário novamente inconstitucional em Janeiro de 1982 explicando o que se entende por ciência e o papel da religião com base em um artigo publicado pela revista Science que oportunamente é recorrido por criacionistas.
O estado do Arkansas sob a liderança de Bill Clinton não recorreu ao caso e o juiz então anulou a lei que também havia sido aplicada no estado de Louisiana. Embora este último tenha recorrido a sentença da Suprema Corte dos EUA em 1987 não permitiu a sua aplicação.
No caso de Arkansas foram chamados 6 especialistas no assunto para discutir a biologia, evolutiva e a filosofia e história da ciência no interrogatório. Dentre eles estava Stephen Jay gould que testemunhou a favor da evolução e centrou sua tese na distorção criacionista dos trabalhos científicos sobre o tempo geológico e as provas de transformação da evolução.
Os especialistas se focaram em demonstrar que a proposta criacionista de igualitarismo na realidade era uma máscara para uma expressão cristã baseada no literalismo do livro de Gênesis identificado no caso de Susan Epperson como uma doutrina teológica que violava claramente a Primeira Emenda americana.
Em uma tentativa desesperada de defender a proposta do criacionismo foi chamado um cientista do Sri Lanka chamado Chandra Wickramasinghe que discordava das idéias de Darwin, mas que surpreendentemente esnobou também da proposta criacionista da Terra Jovem, ou seja, com apenas 10 mil anos de idade.
Chandra disse que a idéia de Darwin era uma bobagem, e quando perguntado a respeito da idéia do criacionismo respondeu “Bobagem pior ainda”.
A idéia de Design inteligente foi cunhada no livro Of Pandas and People em 1989 perdurou de tal forma até 2005 no caso Kitzmiller que refutou com certa facilidade o termo na qual até hoje tem sido alvo de críticas e ridicularização.

O livro Of Pandas and People foi criado pela Fundação para o Pensamento e a Ética é uma entidade cristão americana e no julgamento ao defender o designer inteligente foi demonstrado que o termo designer inteligente não é baseado em textos sagrados e não tem o apelo do sobrenatural, assim o que se entende por designer pode ser Deus, alienígenas ou viajantes do futuro manipulando o passado. Portanto fere o que se entende por ciência e o que se entende até mesmo por religião. Esse foi realmente o desfecho no caso de Kitzmiller
Em 2005 Tammy Kitzmiller que era mãe de um aluno da escola de Dover decidiu levar o caso à justiça, e argumentou o design inteligente era apenas mais uma nova máscara religiosa para o velho e já conhecido discurso criacionista.
Os defensores convocaram, como testemunha, diversos especialistas criacionistas como Michael Behe, bioquímico e autor do famoso livro A Caixa Preta de Darwin na qual claramente já mostrei que concorda com Darwin em diversos pontos (Veja em DESCARTANDO A COMPLEXIDADE IRREDUTÍVEL DO DESIGNER INTELIGENTE)
Em seu depoimento, Behe, sob juramento, assumiu não haver qualquer artigo científico revisado que suporte a idéia da existência de um design inteligente.
Além disso, assumiu que pelo conceito de teoria científica que o Design Inteligente se encaixava na astrologia e também poderia ser considerada como cientificamente válida. O juiz concluiu, desta forma, que o ensino do Design Inteligente era inconstitucional e assim, não mais poderia ser ensinado nas escolas uma vez que não apresentou qualquer exemplo na natureza que suporte tal existência.
Os criacionistas, reuniram esforços na difícil tarefa de embasar cientificamente suas afirmações e, para isso, procuram aumentar o número de cristãos cientistas pagando altos prêmios, investindo em pesquisas (ou pseudo-pesquisas tendenciosas) criando universidades particulares. Mas nem mesmo no país mais cristão do mundo, muitos deles fundamentalistas, o criacionismo é tratado como ciência. Não motivos científicos, nem legais ou jurídicos para se ver o criacionismo como ciência, mas sim apenas um cristianismo bem mal mascarado pelos fundamentalistas religiosos. Não há problema algum em seguir uma religião desde que (a sua crença não interfira na liberdade do próximo) como afirma Stephen Jay Gould, ela saiba o limite de sua atuação.
Aqui no Brasil criando associações criacionistas e discussão bíblicas que posteriormente são apresentadas inclusive na internet como se fossem ciência embora até hoje não haja um artigo cientifico que suporte a idéia de um designer inteligente. Muitas dessas argumentações embasadas em especulações e a covarde apelação a mentiras com a intenção de difamar a ciência uma vez que algumas de suas propostas não concordam com o dogma cristão. Embora o criacionismo no Brasil seja pouco representativo e extremamente descentralizado, com diversas vertentes.
Muitos dos maiores críticos do darwinismo o são devido a sua formação religiosa e não pela formação acadêmica. Um exemplo claro é de William Dembski que tem Ph.D. em filosofia, mestrado em divindade pelo Seminário Teológico de Princeton. Dembski é um cristão ortodoxo praticante, professor de Teologia e Ciência no Southern Baptist Theological Seminary em Louisville, Kentucky, bem como o primeiro diretor do Centro para Teologia e Ciência da escola, professor de pesquisa em filosofia no Southwestern Baptist Theological Seminary, em Fort Worth, Texas.
A única vantagem que os criacionistas tem é o único Museu Criacionista que foi inaugurado sob muita polemica nos EUA em 2007/8. O Museu da Criação custou US$ 27 milhões e foi criado no Kentucky. Apesar disso ele não foi financiado com dinheiro de pesquisas, já que criacionismo ainda não é visto como ciência, mas sim com verbas particulares da organização cristã Answers in Genesis (Respostas no Genesis). Uma iniciativa cristã desesperada (veja: Museu criacionista é inaugurado nos EUA e causa polêmica).
Essa organização religiosa montou um parque temático cuja finalidade é distorcer a proposta trazida pela biologia evolutiva. Alguns paleontólogos fizeram uma visita a esse museu após sua inauguração e alegaram que só uma mágica poderia justificar a presença de dinossauros na arca de Noé.
As maiores incoerências sustentadas pela fé e não pelas evidências diz que os dinossauros teriam se originado de períodos geológicos distintos aos propostos pela paleontologia. Os estegossauros e os heterodontossauros (Jurássico) e o velociraptor (Cretáceo) foram cooptados pelos criacionistas para o a data de cerca de 2 mil trezentos e quarenta e oito anos. Essas datas foram criadas com base na bíblia e negando a datação com base nas evidencias do decaimento radioativo que é o método que se utiliza para datar fósseis. Uma datação especulativa e absoluta.
Certamente Jesus Cristo entrou em Jerusalém montado em um Stegossauro e um anjo permitiu que o velociraptor de Balão falasse.



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