por Victor Rossetti
Existe uma nova síntese evolutiva surgindo á algum tempo.
Uma nova visão estruturada que tem concepções bastante revolucionárias para a
biologia, a síntese Lamarck-Darwiniana.
Essa síntese foi proposta por Eva Jablonka e Marion Lamb no
livro Evolução em quatro dimensões. Elas trabalham
com quatro sistemas de herança distintos e relaciona-os como mecanismo
evolutivo. A genética como principal sistema de herança de caracteres, a
epigenética, o comportamento e os caracteres culturais.
O que elas propõem é que nem todas as adaptações evolutivas
podem ser atribuídas à seleção não-aleatória de mutações aleatórias no DNA.
Isso quer dizer que existem certas alterações adquiridas e
induzidas que também desempenham um papel crucial na evolução.
De fato, essa interação é bem parecida com a vista na
seleção canalizadora. Na seleção canalizadora uma mutação aleatória pode abrir
caminhos fenotípicos ou comportamentais que favoreçam o aproveitamento de
outras mutações, amplificando os efeitos iniciais e conferindo o aspecto de
perfeição das adaptações evolutivas.
Mais uma vez a seleção é canalizadora, não intencional, não
há nada como um planejador nos bastidores da natureza. A biologia evolutiva
interpreta o planejamento aparente como resultado de eventos históricos
expressos em uma cadeia genealógica e narrativa.
Essa primeira dimensão com base genética mostra bons
exemplos de mutações não-aleatórias que são semi-dirigidas. Diferente do
neo-darwinismo que afirma que todas as mutações são aleatórias.
Existem graus de aleatoriedade. Algumas mutações
ocorrem em maiores probabilidades em locais específicos no DNA. Além
disso, são induzíveis pelo ambiente e têm uma maior probabilidade de ser
adaptável. O que segue a premissa de Lamarck, a imparcialidade do fator
ambiental e dirigibilidade de certas características.
É uma questão em aberto de como ela é difundido esses
mecanismos na evolução. Se o genoma é um sistema organizado, ao invés
de apenas uma coleção de genes, os processos que
geram variação genética podem ser uma propriedade evolutiva do
sistema, que é modulada pelo genoma e a célula.
Isto significa que contrariamente a opinião da
maioria, nem todas as variações genéticas são totalmente
aleatórias ou cegas. Algumas delas podem ser reguladas
e parcialmente dirigidas seguindo alterações genômicas induzidas por
fatores ambientais.
A herança epigenética é a segunda dimensão na evolução.
Existem diversos fatores epigenéticos ligados a variação no genoma. O mais
recente demonstrou que príons estão emergindo como agentes deste tipo de
herança em resposta a estímulos ambientais, gerando novos traços biológicos,
que podem ser transmitidos para as gerações descendentes, dando-lhes vantagens
fixando alterações genéticas.
Um estudo feito com o fungo Saccharomyces cerevisiae, aquele usado
no fermento biológico, mostrou que o príon tem um papel importantíssimo na
hereditariedade de características.
Esse estudo permitiu compreender que alguns príons amilóides
dão às células a capacidade de crescer em condições adversas (SCOMMESSE SULL’EREDITÀ: PIÙ CHE I
GENI, CONTANO I PRIONI).
O príon amilóide favorece células que estão sujeitas a
tensões de vários tipos. Esta resposta ao ambiente mediada por príons
permite as células adquirir características novas, vantagens na exploração de
novos ambientes, e ser eventualmente selecionados.
São distribuídos para as células descendentes durante a
divisão celular, produzindo células filhas com a mesma capacidade de
sobrevivência em condições adversas como as células mãe.
Neste caso, os genes e toda a informação genética em DNA são
considerados atores secundários de mudança evolutiva, enquanto os príons
vislumbram um papel de liderança de atividades de desenvolvimento, de uma forma
de herança que esta ligada a concepção lamarckiana da biologia evolutiva.
De fato, as autoras destacam que a herança epigenética é uma
condição prévia para a evolução da vida multicelular.
Uma habilidade para que organismos possam produzir
diferentes tipos de células é baseado nas memórias celulares e estes são
baseados em herança epigenética. O imprinting genômico é um exemplo
intrigante de herança epigenética.
O comportamento é a terceira dimensão na
evolução. Exemplos de comportamento animal que são transmitidos para a
próxima geração sem DNA podem estar envolvidos nas preferências alimentares de
coelhos adultos após a exposição às bagas de zimbro durante a gravidez.
O imprinting dos patos em relação a sua mãe também é um
exemplo. Ratos pretos de Israel aprenderam a tirar e descascar pinhas, bem como
exemplos em no canto dos pássaros, as tradições culturais africanas em
chimpanzés e macacos japoneses.
Mesmo a cultura e a linguagem humana podem seguir uma
simbologia evolutiva.
A evolução cultural tem propriedades semelhantes à evolução
biológica. De fato, não só a linguagem evoluiu (entendendo evolução como
sinônimo de mudança e não necessariamente de melhoria), mas também a música
(veja aqui) e as religiões
(veja aqui).
A linguagem muda com muita facilidade. Basta ver o que
quinhentos anos de separação de Portugal fez com o português brasileiro.
De fato, o idioma português, primitivo era falado na antiga
Galiza em Portugal, e descendia do Romeno.
Também vemos isto no idioma inglês (a palavra inglês
descende diretamente de anglo, das tradições anglo-saxônicas), que surgiu de
diferentes dialetos germânicos do século V. Depois, no século VIII e IX com a
invasão dos Vikings ocorreu fusão linguista gerando e novas palavras,
diagramação e expressões vocálicas foram criadas na antiga Inglaterra,
posteriormente dando origem ao Inglês americanizado de sotaque arrastado.
Na verdade o que se tem para entender é que Lamarck não estava
totalmente errado e sua concepção hoje parece bastante interessante e
condizente com as descobertas da biologia evolutiva.
Uma resenha das idéias de Evan e Marion foi feita pelo
Enézio E. de Almeida Filho que é bastante criticado por usar citações fracas e
descontextualizadas (veja Leitores criticam falhas em argumentações criacionistas).
Ele afirmou que “A proposta de Jablonka e Lamb
de incorporar aspectos teóricos lamarckistas me parece mais uma tentativa de
teoria ad hoc para livrar a cara de Darwin”.
Como pesquisador da história da ciência ele parece não
compreender a estrutura de construção de conhecimento utilizada pela ciência.
Olhando para a história de Darwin, ele nunca disse que
Lamarck estava errado. O que ele fez foi simplesmente descrever uma explicação
alternativa e complementar de como as espécies evoluem. Já que a ideia de que
as espécies evoluem não é de Darwin, mas muito anterior a ele remetendo o iluminismo.
Os pensadores do iluminismo já carregavam a ideia de que os organismos se
tornavam complexos gradualmente em direção a perfeição. Hoje sabemos que os
organismos não buscam a complexidade e não são perfeitos, mas o gradualismo
estava certo. E isso ficou evidente com as ideias de Darwin.
Lamarck em 1800 revolucionou a classificação de Lineu. Lineu
mesmo já tinha uma concepção claramente evolucionista que fica evidente em seu
sistema de classificação. Lamarck criticou a junção que Lineu fez entre invertebrados
e insetos. Nem todo invertebrado é um inseto e separou essas classes em 10
diferentes grupos.
Darwin não era anti-Lamarckista. Muito pelo contrário, ele
chegou a dizer “Ninguém defendeu a lei do uso e
do não-uso tanto quanto eu” e em certos trechos de seu livro disse
“muitos animais possuem órgãos cuja presença
somente se explica pelos efeitos do não-uso…a seleção natural vem completar o
trabalho iniciado pelo não-uso do órgão“.
O que parece é que de fato as duas propostas se complementam
e não se anulam.
Não há nada de errado em reconsiderar um conceito antigo
desde que ele corresponda as expectativas, as explicações científicas. No caso
do lamarckismo isso ficou em aberto e agora vem sendo reconsiderado e não
reutilizado como forma esdrúxula de sustentar o darwinismo como propõem Enézio.
A ciência trabalha com modelos explicativos e muitos modelos
antigos podem ser retomados desde que as evidências realmente apontem para ele
ou simplesmente porque eles completam outros conceitos.
Um exemplo claro ocorre atualmente na física. A constante
cosmológica que foi considerada um erro pelo seu criador Albert Einstein agora
vem sendo corroborada como sendo a energia escura que atua como uma força
anti-gravidade promovendo a expansão acelerada do universo. Um conceito antigo
que atualmente explica muito a respeito da formação do universo.
Outro exemplo é da própria historia da ciência. A ideia de
que a Terra é somente um planeta girando ao redor de uma mera estrela qualquer
foi proposta pelo filósofo Aristarco (310 a.C. – 230 a.C.). Suas ideias nunca
foram consideradas boas pelos filósofos de sua época. Posteriormente a filosofa
Hipátia redescobriu essas ideias de Aristarco e por isso foi assassinada
em 415, considerada herege pelos cristãos.
Durante toda a idade das trevas a filosofia foi reduzida a
um mero discurso conceitual e perdeu seu “charme” crítico e educativo. O
cristianismo e monopolizou o que era moral e imoral e matou pessoas que eram
favoráveis as ideias de Copérnico e Galileu.
Foi Kepler que demonstrou cientificamente que Aristarco e
Hipatia de fato estavam certo.
Não há problema algum em retomar conceitos antigos desde que
eles se mostrem coerentes com a concepção atual de ciência, com o seu andamento
e suas descobertas. Muitas vezes eles se complementam, outras vezes não.
Embora o homem não saiba como a vida se originou isso não
significa que a concepção da geração espontânea seja compatível com o que se
sabe a respeito das condições climáticas, ambientais, astronômicas necessárias
para que a sua origem.
Por essa razão o conceito de geração espontânea foi deixado
de lado. Além disto, os próprios experimentos científicos demonstram que a vida
não surge espontaneamente.
Pasteur foi quem demonstrou que a vida não surge
espontaneamente, John Tyndall e Robert Koch também confirmaram isso
posteriormente.
A síntese Lamarck-Darwiniana ainda sim preenche todos os
requisitos científicos de experimentação, de revolução científica e explica a
grande diversidade de formas de vida.
.
Referências.
* Ricardo Waizbort; Lucia
de la Rocque. Um replicador em movimento: aproximações entre a poética
narrativa de Borges e o programa de pesquisa dos memes. Hist.
cienc. saude-Manguinhos vol.15 no.1 Rio de
Janeiro Jan./Mar. 2008.
* Shozo Motoyama. O nascimento da Evolução Biológica. O Homem
em busca das origens. Scientifica American. N17.
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